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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

A retoma precisa dos investidores e estes de confiança nas políticas

O estabelecimento de zonas de contenção relativamente ao alojamento local (AL) foi uma medida que surgiu na cidade do Porto no começo do segundo semestre de 2019. Julgo que se pode dizer que foi uma iniciativa que apanhou o mercado de surpresa, de alguma forma invertendo os sinais iniciais dados pela Autarquia, que apontavam no sentido dessa cidade não acompanhar aquelas que eram as opções de política que estavam a ser prosseguidas em Lisboa.

É um tema de elevada complexidade e sensibilidade que não pode ser avaliado com ligeireza. Compreende-se a existência de pressões para a tomada de medidas que contribuíssem para a descompressão de certas zonas do território, mercê da sua evidente orientação para uma oferta aparentemente desligada da realidade das famílias e das suas necessidades de habitação, com quase total orientação da reabilitação urbana para o alojamento local.

Do meu lado, sem rodeios, nunca tive simpatia por soluções de contenção administrativa do mercado.

Neste caso, por motivos simples de listar. O primeiro por ser um exercício que contraria as escolhas naturais dos agentes económicos, que assentam em premissas de racionalidade económica e, nessa medida, apontam no sentido da otimização do perfil de alocação dos recursos, maximizando o potencial de valor gerado individual e coletivamente. Ou seja, conter significaria travar a geração de riqueza. Depois, dado desse processo resultar uma transferência de valor em benefício dos operadores que estão já no mercado, que agradecem a limitação da concorrência. Ou seja, conter significaria distorcer a concorrência, prejudicando a todos. Depois, ainda, dado o facto de se terem excluído do mercado imóveis com investimentos já totalmente realizados, viabilizados em premissas que simplesmente se esfumaram, e que foram barrados na última milha, à porta do registo… Ou seja, conter significou prejudicar a reputação das instituições, gerando motivos de desconfiança quanto à seriedade das políticas públicas. Finalmente, ao se fazer caducar as licenças de AL de imóveis que sejam vendidos e ao se imporem validades relativamente curtas para as novas licenças concedidas, inviabiliza-se a realização de investimentos nos imóveis em exploração, cujo payback fica comprometido. Ou seja, conter significaria apostar na degradação do parque em exploração, em resultado de um efeito equiparado com o que adveio do bem conhecido congelamento de rendas.

Este saldo claramente negativo não diminui a emergência do combate às dificuldades de acesso à habitação. Claro! No entanto, eventualmente esses dois temas devem ser tratados autonomamente, podendo debater-se se as dificuldades de um são estritamente imputáveis ao outro. Na realidade, considerar que a falência do AL é a solução para a “habitação” pode ser um equívoco, mesmo quando circunstancialmente a queda do turismo abre melhores perspetivas a outros usos, desde logo ao arrendamento.

Os dados que apuramos mostram que com o anúncio da contenção o investimento nas Áreas de Reabilitação Urbana mais afetadas, designadamente a do Centro Histórico e da Baixa, caiu 27%. Não houve vencedores de primeira hora. O investimento simplesmente caiu.

No atual contexto “pandémico”, a reversão da medida, ditando o “fim das zonas de contenção”, acaba por ter uma dimensão apenas simbólica, já que não se espera a formação de filas de investidores a lançar novas unidades. Mas vem dizer claramente a esses operadores que o Porto compreende o seu papel fundamental para a retoma que se deseja rápida e perene. O Porto percebeu já que as políticas em ciclo de contenção não servem para o ciclo de recuperação. Mas, em todo o caso, era importante que esse fosse um sinal de total consenso, sem margem para incertezas futuras.

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