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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

CHOQUES DE PROCURA NO MERCADO IMOBILIÁRIO

As rendas da habitação começaram a cair…

A crise pandémica implicou em muitos setores a ocorrência simultânea de um choque da oferta (resultante da paragem das cadeias de produção) e da procura (mercê do confinamento e condicionamento da população). Já no caso do imobiliário, que ao contrário desses mercados assenta essencialmente em stocks fixos, que evoluem de forma lenta, ao ritmo da promoção nova, não há a ocorrência de choques de oferta, traduzidos por exemplo na “súbita ausência de casas nas prateleiras”. Neste mercado, portanto, a crise pandémica traduz-se num choque unilateral, sentido do lado da procura.

Os números do Pipeline Imobiliário, da Ci, mostram intenções de investimento que atingem os 66 mil novos fogos desde 2019 a maio de 2020. São novos projetos em licenciamento, não necessariamente já traduzidos em obra, que ilustram a leitura dos operadores relativamente ao potencial de procura do nosso mercado. Claro, em 2020 as novas intenções de promoção em Lisboa já caíram 20% face à média de 2019. No caso da cidade do Porto, a descida é de 26%. Mas, como referido, a quebra da nova produção não diminui o stock existente...

Assim, as rendas descem pela ausência de procura. Não é boa notícia. É má notícia… Mas não é, até ver, dramática, porque traduz o posicionamento tático dos proprietários, assumindo a perda temporária de rendimento enquanto alternativa à venda em desconto (um cenário que não é novo, pois na crise de 2008 o arrendamento subiu para depois voltar a cair).

Crescentemente, a promoção imobiliária orientou-se para as famílias, para a procura doméstica. Mas, para isso, procurou os territórios que têm essa vocação, em torno dos centros e assentando em construção nova.

É nesse enquadramento da atividade que o setor da promoção imobiliária reivindica medidas como a descida do IVA na construção nova, abrindo a porta ao embaratecimento das casas que são dirigidas para a classe média. Mas esbarra na visão de que o foco deve ser a reabilitação. Sim, o foco deve ser esse. Mas já todos sabemos o que acontece às cidades quando são “forçadas” a um uso ideal. Estagnam. Definham. No passado recente, a subida das rendas resultou, que coincidência, de um choque do lado da procura. Uma procura não tradicional, de natureza não residencial ou de índole internacional. Podemo-nos satisfazer em face do seu desaparecimento. Mas é por falta de memória… Não foi assim há tanto tempo que as cidades eram palco de abandono e desemprego, à espera do milagre da reabilitação.

Podemos e devemos ter a ambição de um país com uma economia diversificada e orientada para os setores exportadores e de elevado valor acrescentado. Mas não o podemos fazer sem cidades vibrantes e atrativas, capazes de fixar o ativo mais relevante para o crescimento económico: o talento. E, paradoxalmente, não é de esperar uma correlação negativa entre a atração de talentos e o comportamento das rendas… Nem tão pouco podemos ignorar o contributo essencial da procura internacional para a regeneração urbana, traduzida na melhoria das condições de atratividade das cidades e na captação de novos investimentos, precisamente nos setores transformadores da nova economia digital. Este é o nosso paradoxo. Precisamos de nos abrir ao exterior, mesmo que isso signifique abdicar de um modelo ideal de ocupação do território, mais focado nas famílias. E, novamente em paradoxo, é precisamente para proteger estas últimas que toda a pressão deve estar na atração de investimento internacional. Se pararmos para pensar, a habitação é o maior ativo no balanço das famílias. Um cenário de desemprego que implique a sua alienação desses ativos deve, pelo menos, enfrentar um mercado que o mais possível reconheça o valor desses imóveis, assegurando a liquidação dos montantes em dívida. De facto, limitar a procura ao mercado doméstico é escancarar a porta ao incumprimento bancário e comprar um bilhete para um filme já rodado…

Ora, fomentar ativamente a procura internacional é uma medida sem custos fiscais (pelo contrário) e sem dependência de investimentos e pressão de dívida. Tem tanto de barato como de crítico para as famílias, o emprego, banca, etc…

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